A gente ouve e lê muito sobre aplicações de T.I.C., tecnologias de informação e comunicação, no processo de aprendizagem. Eu vejo muito sobre a utilização das novas técnicas "substituindo" as antigas, "arcaicas e ultrapassadas" (coloquei entre aspas porque não concordo com este discurso todo). Fala-se muito em blogs, Orkut, no quase finado Second Life, no quase onipresente Twitter, etc. Parece que o objetivo é que de alguma maneira os professores não tenham que aturar os estudantes e nem os mesmos precisem encarar os professores, sugerindo que a solução para o ensino é netibuque-com-uebicam-e-tuíter para todo mundo. Não sou contra, acho legal experimentar mas não acho que antigas práticas que ajudaram a trazer a humanidade no nível de conhecimento que temos hoje, precisem ou devam ser abandonadas.
Por outro lado, fico bastante entusiasmado – tá, fico excitado – quando vejo uso de novas tecnologias de informação para motivar a procura por novas informações mesmo, como nas "antigas" e insubstituíveis práticas de laboratório. Um exemplo é o trabalho de Carlos Eduardo Aguiar e Anderson Ribeiro de Souza, da UFRJ e do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. O artigo está disponível em http://arxiv.org/abs/0907.3333. A ideia é simples e brilhante: usar o Google Earth para medir a velocidade de navios e barcos. Vou mostrar como se faz, mas sem entrar muito em detalhes matemáticos, para os quais os interessados devem baixar o pdf do artigo. Quando um navio, em águas não muito rasas, o mesmo cria um cone de ondas, chamado de ondas de Kelvin (sim, o lorde Kelvin, o mesmo da temperatura absoluta). Na figura acima, o amarelo dá a direção da velocidade do pato, o vermelho a velocidade de fase da onda. Elas definem um ângulo e é fácil chegar a
onde é a velocidade do pato e a velocidade de fase da onda (vou usar as mesmas letras do artigo original). Da mecânica de fluidos, sabemos que a velocidade de fase de uma onda é
onde é o comprimento de onda, é a profundidade e , a aceleração da gravidade. Se é grande comparado com – vamos logo ver que é mesmo – a equação acima fica mais simples:
No segundo grau, podemos omitir a discussão acima, já que a ideia de limite frequentemente não é apresentada. Combinando a equação acima com a primeira, temos:
Veja que precisamos conhecer e , mas isto é fácil de conseguir no Google Earth (eu usei o Google Maps mesmo). Eles usaram as barcas que ligam Niterói a uma outra cidade perto de Niterói. Eu usei o barco que está neste endereço pois parecia mais rápido: http://maps.google.com/?ie=UTF8&ll=-22.907235,-43.153186&spn=0.003158,0.004753&t=h&z=18. Carregue o Gimp e use a opção Arquivo→Criar→Captura de Tela. Eu coloco um atraso de dois segundos e selecionar uma região da tela. Capture o barco e a escala (que indica 50m) logo abaixo. Eu fiquei com algo assim: Use a ferramenta de medida do Gimp, o botão é do compasso ou Shift+M. e meça a distância que corresponde a 50m. Eu encontrei 91 pixels. Anote o seu resultado. Para medir o ângulo , faça o seguinte: clique na régua logo abaixo do menu e arraste para o meio do desenho. Você tem uma guia horizontal. Rode a figura até que a velocidade do barco fique horizontal, assim: Use a ferramenta Cores→Limite e mova o botão do meio até que você consiga ver bem as ondas laterais, como uma espinha de peixe: Use novamente a ferramenta de medida, marcando um ângulo, da guia até a onda (eu fiz uma linha com o lápis e segurando Shift para facilitar a medição do ângulo): Aqui deu 23°. Meça a distância entre duas ondas (ou duas espinhas), que é o comprimento de onda . Aqui, deu 33 pixels. Agora é só jogar na fórmula e obter a velocidade do barco. Divida a distância que você acabou de medir (33) pela medida dos 50m (91 pixels). Multiplique por 50m e você terá a distância convertida de pixels em metros. Se jogar na fórmula e usar m/s², você terá a velocidade em m/s, aí é só multiplicar por 3.6. Este barco estava a 50km/h, se eu não errei nas contas :)
Uma atividade legal pode ser medir a velocidade do catamarã Niterói-outra cidade e comparar com o valor da distância, obtida também pelo Google Earth, pelo tempo da travessia. Esta última (velocidade média) é menor que a do catamarã no meio da baía, ja que boa parte do tempo é perdido na largada e chegada dos mesmos.